Há duas formas de se obter um bitcoin: recebê-lo através de uma transação ou descobri-lo - processo chamado de mineração (iStockphoto/Getty Images)
De janeiro até agora, a cotação dos bitcoins subiu 487,35%, contra 26,52% do Ibovespa, 10,69% do ouro e uma queda de 2,52% do dólar. Guia abaixo explica como funciona esse investimento de altíssimo risco:
O que é
As criptomoedas são um sistema de troca de valores que funcionam totalmente independentes do mundo físico. É como o dinheiro do mundo real, usado para comprar produtos ou serviços, mas com transações apenas no mundo virtual. Entre as facilidades prometidas estão a rapidez do processo, a inexistência de burocracia e a confiabilidade.
Diferentemente das moedas tradicionais, as criptomoedas não precisam de um órgão que faça sua emissão – como a Casa da Moeda – nem quem defina suas regras – caso do Banco Central. Todo o controle para evitar falsificações e regular as transações se baseia em seu sistema sistema tecnológico. Todas as transações são checadas por todos os computadores envolvidos no processo.
(Arte/VEJA)
Apesar do termo moeda, o bitcoin é mais parecido com a ação de uma empresa do que com o dinheiro em si. Não existem arquivos de bitcoin em nenhum computador, como aqueles de imagem ou texto. O que existe é um grande registro público, na internet, onde são gravadas todas as transações com a moeda virtual. Assim, quem acessa o sistema sabe quanto há em cada conta.
Por exemplo, suponha que “x” tinha 1000 bitcoins e “y” tinha 0. Se “x” transferir 500 bitcoins para “y”, essa transação será registrada. Desse modo, qualquer um que consultar o documento saberá que ambos agora têm 500 bitcoins cada.
Para evitar fraudes, as transações são verificadas pelos computadores de todos os participantes. É como se cada pessoa que fizesse parte da rede fosse uma espécie de cartório, fazendo o “reconhecimento de firma” da transação.
Os negócios só são validados se receberem o “ok” de uma parte dos usuários, e uma cópia fica registrada no computador de cada um. Para que houvesse uma fraude, seria preciso hackear os registros de todos os participantes, ao mesmo tempo. “Até hoje, ninguém fez isso”, diz o diretor de pesquisa e inovação do Bradesco, Antranik Haroutiounian.
Essa tecnologia, conhecida como “blockchain”, é estudada por instituições financeiras tradicionais, como bancos e corretoras. A vantagem dessa tecnologia é que é um registro compartilhado altamente confiável. Poderia ser usado, por exemplo, em uma rede fechada só com bancos, para registrar atividades suspeitas, de modo que a identificação da máquina seja vista por todos.
No caso do Bradesco, a instituição faz testes para ver quais dos seus serviços têm desempenho melhor usando esse tipo de sistema. “Nos próximos meses, teremos alguns serviços com blockchain implementados no Brasil”, estima Haroutiounian.
Como se consegue um
Há duas formas de se obter um bitcoin: recebê-lo através de uma transação ou descobri-lo – processo chamado de mineração. A tecnologia do sistema prevê a existência de 21 milhões, sendo que 16,6 milhões estão em circulação. As demais ainda precisam ser descobertas.
Para que o sistema registre que alguém “descobriu” um bitcoin é preciso resolver operações matemáticas altamente complexas, o que exige um alto poder de computação. Chegar nesse número é complicado mas, uma vez que ele é informado, o processo reverso de verificação é mais simples.
Assim, se alguém “chutou” o número correto, as máquinas dos participantes checam o resultado e todos concordam que aquela pessoa ganhou um bitcoin. Com o passar do tempo, como os números mais fáceis já foram “chutados”, os mais difíceis requerem cálculos mais sofisticados.
Negociações
As transações são feitas através de softwares que acessam o sistema. Existem diversos fornecedores, e também sistemas on-line. Casa usuário tem um número de registro único, anônimo, que o identifica na rede e é conhecido como “carteira” (wallet). Ele pode ficar armazenado no computador, pen-drives ou dispositivos especiais.
Esse registro funciona como uma senha, mas ele é tão difícil de ser quebrado que, caso se perca o acesso, não é possível mais movimentar os recursos. Mesmo porque não há uma entidade a quem recorrer, que faça a verificação de que a carteira perdida pertence realmente àquela pessoa. “Se perder, ninguém pode ajudar, mesmo que o dinheiro seja seu”, explica o diretor de pesquisa e inovação do Bradesco, Antranik Haroutiounian.
Transformando em dinheiro
A conversão de bitcoins em dinheiro é feita por empresas chamadas de corretoras. Os clientes que desejam comprar moedas fazem o depósito de dinheiro e recebem o crédito equivalente. Podem então negociar seus bitcoins. Para a venda, o processo é o inverso.
Como não existe regulador, a cotação do bitcoin em cada moeda – ou de suas subdivisões – é definida pela oferta e procura, e as empresas que fazem negociações estimam valores de referência. Um desses índices é divulgado pela Bolsa de Valores de Nova York (NYSE), desde 2015, que se baseia nas transações informadas pela corretora americana Coinbase. Na última terça-feira, o valor era de cerca de 4.800 dólares (cerca de 15.250 reais).
Risco
Por não ter nenhum tipo de lastro além da oferta e da procura – o valor das moedas nacionais é garantido por ouro, por exemplo – o bitcoin é sujeito a violentas oscilações.
A cotação é influenciada pelo noticiário. Em setembro, por exemplo, o tuíte de uma das maiores corretoras da China – a BTC China – anunciando que não faria mais negociações com a moeda fez com que os preços desabassem quase 13% em apenas um dia.
Desde o começo deste ano, a cotação da moeda virtual subiu 487,35%, enquanto o Ibovespa teve alta de 26,52%,o ouro de 10,69% e o dólar caiu 2,52%. “É importante lembrar que é um ativo de alto risco”, diz Guto Schiavon, diretor de operações da corretora brasileira Foxbit. A empresa registra cerca de 150.000 clientes, e faz negociações diárias de entre 6 milhões de reais e 10 milhões de reais.
Segundo ele, o principal objetivo da corretora é permitir que as pessoas realizem transações, fazendo as conversões para dinheiro tão logo possível, em vez de manter recursos aplicados por longos períodos. “Não somos um banco”, afirma.
Com a forte oscilação, há quem acredite que a valorização seja uma bolha, com o risco de estourar a qualquer momento. Para o CEO da corretora Mercado Bitcoin, Rodrigo Batista, a variação ocorre por causa da novidade. “É difícil avaliar o quanto vale, assim como era difícil avaliar o Facebook quando surgiu. Era avaliado como empresa de mídia? De tecnologia? comunicação?”, questiona. A corretora tem cerca de 520.000 clientes, e estima que vai movimentar 2 bilhões de reais em 2017, somando as três criptomoedas que negocia.
Legislação
Como não é regulado por governos, o bitcoin desperta questionamentos em relação a sua legalidade. Por permitir transações anônimas – não é necessário se identificar para criar uma carteira -, a criptomoeda é usada por criminosos em transações de armas, entorpecentes, e de material ligado à pedofilia, o que aumenta a desconfiança.
No Brasil, não há nenhuma proibição legal para operar com bitcoins. “O princípio da livre iniciativa determina que se pode fazer tudo aquilo que não é proibido por lei”, explica a advogada especialista em direito digital, Patricia Peck.
O Banco Central brasileiro emitiu um comunicado, em 2014, alertando sobre os riscos de garantia e flutuação das criptomoedas, mas não estabeleceu uma regulamentação. A instituição diz que, apesar de a movimentação não representar risco ao sistema financeiro nacional, avalia as discussões sobre o caso “para fins de adoção de eventuais medidas no âmbito de sua competência legal, se for o caso”.
A advogada acredita que é possível que as próprias empresas criem regras, para melhorar o sistema, e as autoridades devem começar a intervir se a moeda ganhar mais volume . “Se tiver serviços ou produtos mais essenciais negociados em bitcoins, com toda certeza pode gerar uma necessidade de regulação, por causa do efeito inflacionário”, diz.
Outra preocupação das autoridades, em relação ao anonimato, acontece porque não há registro pessoal das transações, o que dificulta a fiscalização de casos como lavagem de dinheiro.
Em relação às transações feitas com a moeda, Patrícia diz que se forem realizadas entre duas pessoas, a norma aplicada é o Código Civil. Se envolver uma empresa, vale o Código de Defesa do Consumidor.
“Somos uma empresa de intermediação de ativos não-financeiros. Os sócios são registrados na empresa, não é tão ‘jogado’ como muita gente imagina”, diz o diretor de operações da corretora Foxbit, Guto Schiavon.
Fonte: http://veja.abril.com.br