sábado, 16 de dezembro de 2017

Bitcoin vira o investimento mais sedutor do planeta em 2017



Só no Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas estão apostando nesse ouro digital

Apenas a ambição humana explica como algo que ninguém sabe definir direito virou o investimento mais sedutor do planeta em 2017. Só no Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas estão apostando nesse ouro digital — mais do que o dobro de investidores da tradicional Bolsa de Valores. É tanta gente que essa moeda virtual se tornou o principal símbolo da cobiça nossa de cada dia.

O NASCIMENTO

Há sete anos, um programador de dados fez uma encomenda banal a uma pizzaria na Flórida. Seria uma compra pela internet como outra qualquer, não fosse por um detalhe. Ele queria pagar a pizza com uma estranha moeda virtual criada dois anos antes para ser usada apenas em transações online. Como a loja só aceitava dólares, o sujeito ofereceu a tal moeda a outro programador, que topou filcar com ela e pagar pela comida em dinheiro “de carne e osso”.

Foi assim que nasceu a primeira transação comercial do mundo com bitcoin — a moeda que quase ninguém sabe o que é, mas que virou o símbolo máximo da cobiça neste 2017, quando atingiu uma valorização de 1.753%. E, enquanto especialistas debatem se é bolha ou não, gente de toda sorte, do gestor de Wall Street ao taxista carioca, tem depositado economias e esperanças nessa espécie de índice das ansiedades coletivas da sociedade em rede.

— As pessoas se veem imediatamente tentadas a entrar em algo que pode torná-las ricas rapidamente — analisa Leonhard Lades, professor de economia comportamental da Universidade de Stirling, no Reino Unido.

Mas, afinal, o que é esse obscuro objeto de desejo? Bitcoin (moeda de bits) não tem forma, cor nem cheiro. Não existe em nota nem níquel. E é aqui que a coisa complica, exigindo um certo exercício de abstração. Bitcoin nada mais é do que um arquivo de computador criptografado, ou seja, protegido por um código único. Ele, em si, não tem qualquer valor. Em seu começo, era usado como um escambo em versão 2.0. Eu te dou bitcoins, você faz uma planilha ou algo assim para mim (o troço, afinal, surgiu entre geeks). Até o dia em que o tal programador que abre esta reportagem resolveu trocar bitcoins por algo palpável — no caso, pizza.

Com o tempo, essa rede restrita a entusiastas da tecnologia foi se ampliando e deu origem a um novo mercado. Hoje, o valor do bitcoin é determinado em corretoras com base na boa e velha lei da oferta e da procura. E cada um valia, até ontem à tarde, cerca de US$ 16.500 (R$ 55 mil). Ou seja, é impalpável, é invisível, mas virou dinheiro, muito dinheiro.

— O fenômeno do bitcoin tem todas as características de um efeito de manada — diz Alexandre Versignassi, autor do livro “Crash — Uma breve história da economia”. — Se no seu entorno as pessoas assistem a um seriado, você tende a assistir a ele também. Se todos os seus amigos dizem que estão ganhando dinheiro da noite para o dia de uma maneira fácil, a chance de você ficar fora disso é mínima.

Por “todos os seus amigos”, leia-se jovens como a estudante Luana Larissa Teixeira, de 18 anos, e o empresário de tecnologia Leandro França de Mello, de 42 anos. Só no Brasil, são mais de 1 milhão de pessoas. Há tantos entusiastas da nova moeda que já existem até encontros em bares para tratar do assunto. No último sábado, Leandro e outros 20 investidores de perfis variados se reuniram num boteco em Botafogo, Zona Sul do Rio, para discutir estratégias e trocar dicas.

Apesar do clima festivo, a batida pode estar fora do tom. Segundo a médica e psicoterapeuta Cínthya Verri, os efeitos já tocam à porta dos consultórios:

— Antes, jovens com comportamento compulsivo, como consumidores frequentes de pornografia, falavam de moeda virtual, um dinheiro com menos chance de rastreio. Hoje, o assunto chega de clientes não tão jovens, profissionais que querem se livrar de todas as crises. Acham que isso vai ser o pulo do gato. Há também um componente de emoção, de investir numa coisa nova, moderna. Não querem fazer como os pais, que compraram imóveis, hoje parados.

Cínthya lembra que a crise é outro estímulo. Há uns anos, ela diz, as pessoas não teriam coragem de investir em algo tão etéreo:

— Agora, partem para o desespero. Não vejo nada de matemático nem de análise nisso, é uma tendência muitas vezes inconsciente. Uma coisa meio Serra Pelada.

O fenômeno é estranho também para o consultor de inovação corporativa Márcio Kogut.

— O que está acontecendo é fora do normal. De dois meses para cá, o bitcoin passou a atrair gente movida pela ganância, que quer ficar milionária da noite para o dia. Já há histórias de pessoas que hipotecaram a casa. No Brasil, há quem esteja gastando o 13º em bitcoin. Todo mundo quer achar uma mina de ouro, mas quem ganha são os que vendem pás e picaretas.

Especialistas em comportamento e consumo citam ainda outra explicação para tanto frisson em torno da moeda virtual: a sensação de lidar diretamente com suas economias, sem intermediação (e intervenção) de governos, bancos e outras empresas. Algo que nasceu com um espírito libertário como o que levou à criação do Napster, em 1999. Na época, o programa que permitia trocas de músicas entre pessoas de todo o mundo (peer to peer) explodiu ao empoderar o usuário. Acusado de incentivar a pirataria e derrubar os lucros do mercado fonográfico, o Napster morreu dois anos depois por decisão da Justiça.

O bitcoin virou o assunto da hora, mas a ideia de se criar uma moeda virtual vem dos anos 1990. Só não havia tecnologia que garantisse segurança para essas operações. Foi aí que um certo Satoshi Nakamoto surgiu, em 2008, com um estudo técnico propondo esse tal de bitcoin, para fugir das normas básicas da economia como a conhecemos e apostar num ambiente em que dinheiro e confiança pudessem andar juntos.

Mas isso foi lá atrás...

UM ADMINIRÁVEL MUNDO NOVO

Ninguém sabe exatamente quem é o criador da bitcoin. Veja algumas curiosuidades.

O criadorOs bitcoins foram criados em 2008 por um certo Satoshi Nakamoto, que nunca apareceu publicamente e, por isso, não se sabe se é mesmo uma pessoa ou um grupo escondido sob um pseudônimo. Sua identidade é um dos segredos mais bem guardados da internet.

HISTÓRIAS DE QUEM ESTÁ PAGANDO PARA VER
Estevao Goldani colocou suas economias em bitcoin - Leo Martins / Agência O Globo


Ainda que muitos só estejam descobrindo agora o mundo dos bitcoins, outros tantos estão se arriscando nesta aventura faz tempo. No Brasil, estima-se que há mais de um milhão de investidores de bitcoins, enquanto a Bolsa tradicional tem pouco mais de 500 mil.

Trocar bitcoins por pizza é coisa do passado. Hoje, a tentação é ver o dinheiro investido se multiplicar. E isso representa riscos, muitos riscos. O empresário Leandro França de Mello começou a apostar em bitcoins em 2012, comprando e vendendo diariamente a moeda, tentando ganhar nas oscilações. Se tivesse simplesmente deixado-as na carteira, ele calcula que não teria do que se arrepender. Mas não foi assim. E parte do patrimônio ele perdeu por descuido. Leandro guardava displicentemente em um bloco de notas do computador suas chaves criptográficas privadas, os tais códigos intransferíveis que garantem o acesso aos bitcoins. Quando o PC queimou, as moedas associadas àqueles números foram relegadas ao umbral dos bitcoins. Este limbo, que inclui ainda moedas órfãs de investidores falecidos, soma pelo menos R$ 6,9 bilhões, segundo estudo da Chainalysis publicado no mês passado. Os fóruns da internet estão repletos de lamentações saudosas sobre bitcoins perdidos para sempre.

— Na época, como estudante de economia, eu achava muito esquisito que uma moeda se valorizasse ad aeternum — diz.

COMPRA E VENDA

A história de Estevão Goldani, de 28, é outra. Em dois anos, o assistente de pós-produção se transformou de pacato aplicador da caderneta de poupança em especulador das chamadas criptomoedas. Ele entrou com força no bitcoin nos últimos meses e diz que ainda não se arrepende:

— Todo mês, vou colocar um pouquinho da sobra do salário em bitcoins. Meus pais não entendem. Meu pai ganhou uma grana na quina, e implorei para que investisse também, mas ele é muito conservador e não quis.

Luana Larissa Teixeira, de 18 anos, dividiu seu tempo este ano entre os estudos no cursinho vestibular, as madrugadas jogando “League of Legends” e as apostas em criptomoedas. Jogou-se no bitcoin aos 17, no fim do ano passado, por amor. Seu namorado queria aplicar ali as economias, mas o expediente no trabalho não lhe permitia operar ao longo do dia. Coube a ela a tarefa. A partir de um capital inicial de R$ 8 mil, a jovem passou a dedicar parte importante do dia à compra e venda de bitcoins. Apaixonou-se pelo que fazia e via ali muito mais sentido do que posts no Facebook ou no Instagram, aos quais é avessa. Lamentou quando, em maio, precisaram sacar o dinheiro para pagar despesas da casa:

— O humor oscila com a volatilidade do preço. Eu me empolgava quando estava ganhando e, às vezes, chorava nos momentos de queda, achando que perderia tudo. Ficava monitorando a cotação pelo celular ao longo do dia, e meus amigos não entendiam muito o motivo.

No fim de 2013, Luiz Moretzsohn Neto satisfez a curiosidade aguçada por um amigo do ramo de tecnologia comprando algumas daquelas excentricidades que mal conhecia. Não prestou mais atenção naquilo até que, dois anos depois, lembrou-se de checar o saldo e sorriu com a valorização de 650%. Sacou o patrimônio e só quis saber de bitcoin de novo este ano, colocando cinco vezes o que aplicara em 2013 para ver o bolo crescer.

— É especulação pura. Vejo como um pôquer, não como investimento — admite Luiz que, mesmo trabalhando no mercado financeiro, justifica sua desconfiança a respeito do bitcoin daqui para frente recorrendo à máxima do métier: — Quando todos começam a falar de um ativo, é hora de sair dele.

O RISCO DA BOLHA

O ecossistema Bitcoin

ORIGEM
O bitcoin nasceu como um código em um software, sem valor financeiro atribuído a ele. Nakamoto minerou o primeiro "bloco" em janeiro de 2009, recebendo 50 bitcoins em troca. O valor monetário surgiria posteriormente, conforme mais pessoas aderissem à rede e fizessem transações com ele. Hoje, as corretoras de bitcoins atribuem a ele o valor que esses usuários enxergam nele.
Surgiu no fim de 2008 a partir de um documento publicado na internet por alguém chamado Satoshi Nakamoto, cuja identidade jamais foi revelada. O primeiro software seria lançado em janeiro de 2009.
O QUE É BITCOIN?
O bitcoin é uma moeda digita que existe à revelia de governos e autoridades monetárias.
Os usuários estão espalhados pelo mundo
2008
TORRENT DO DINHEIRO
Suas transações prescindem de intermediários como bancos ou Bolsas, sendo validadas coletivamente pelos computadores plugados à rede.
Ele circula em uma rede de computadores do tipo pessoa-para-pessoa (P2P), que transforma os computadores pessoais em uma grande rede de trabalho
Uma rede P2P pode envolver milhares de usuários
Os usuários são anônimos
?
MINERAR A MOEDA
O termo é uma analogia à mineração de ouro porque permite que os usuários ganhem frações de Bitcoin como recompensa por cederem seus computadores para manter a rede funcionando.
Apesar do anonimato dos usuários, quando o Bitcoin muda de dono isso é registrado publicamente
TRANSAÇÃO

Comofunciona

Nessa hora, os mineradores emprestam o processamento dos seus computadores para decifrar esse código. Com o código decifrado, as moedas são liberadas para circulação.
Os mineradores recebem parte dos bitcoins gerados como recompensa.
Quando um usuário envia bitcoins a outro, um código criptográfico é gerado.

QUEM EMITE OS BITCOINS?
A geração de novos Bitcoins ocorra em ritmo pré-determinado e decrescente. Quanto mais usuários existirem, menos Bitcoins são gerados.
A moeda surge da prórpria rede, quando os mineradores recebem uma fração por cada transação validada.
Mas há uma quantidade limitada de moedas. Elas são liberadas aos poucos, de acordo com o crescimento da rede.
21 milhões

QUANTOS BITCOINSEXISTEM?
é o número máximode Bitcoins previsto
Até dezembro de 2017 já são16,7 milhões
restam4,3 milhões

O QUE É BLOCKCHAIN?
TRANSAÇÃO
É como chamam o modelo de segurança compartilhada utilizada pela rede do Bitcoin

SEGURANÇA
REGISTRO
Como todos os computadores da rede têm acesso a uma cópia desse arquivo, ele é considerado imutável, uma vez que qualquer tentativa de alteração seria imediatamente identificada.
Depois de validado, o código da transação é acrescentado a um arquivo que contém todas as transações já feitas com bitcoins.

BLOCKCHAIN
EXCHANGES E CARTEIRAS
A grande maioria dos usuários de bitcoin não minera e, portanto, passa ao largo desse processo. São pessoas que compraram suas moedas por meio das "exchanges", corretoras que comercializam o bitcoin como se fosse uma moeda estrangeira. Depois de adquiri-los, esses usuários armazenam o patrimônio em aplicativos conhecidos como "wallets" (carteiras), disponíveis em PCs e celulares.
Como começar
DOWNLOAD
Primeiro, você deve criar a sua conta e baixar o programa
Ele criará uma "carteira", que dará acesso a vários endereços de Bitcoin
EX. DE ENDEREÇO
V48UhjF7123dmN34d5pY15

COMO USAR A MOEDA?
SERVIÇOS DEHOSPEDAGEM
LOJAS ONLINE
Ele pode ser utilizado como pagamento para diversos tipos de serviços e produtos como:
CONSULTORIAS
SERVIÇOS DEFREELANCERS
ACESSO A REDES
Outra utilização frequente é a transferência de dinheiro para o exterior sem passar pelos bancos - e, por essa característica, o bitcoin também é utilizado por criminosos. Mas, hoje, a maioria das pessoas adquire bitcoins como um investimento financeiro.

EVOLUÇÃO DO PREÇO
Desde sua criação em 2009, o Bitcoin vem valorizando gradativamente, mas nos últimos anos a especulação sobre a moeda aumentou bastante seu preço.
Preço do Bitcoin em 2017
Valores em dólares
$20.000
17.202,42
$15.000
$10.000
4.950,72
$5.000
997,69
$0
Jan ‘17
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez ‘17
Fonte: Bitcoin.com

COMPARE OS VALORES DO BITCOIN
2010
2017
(30/8)
(12/12)
17.166
$ 0,06
dólar
dólares
Fonte: Bitcoin.com

Como tudo que se relaciona a investimentos (e a cobiças), entrar no mundo das moedas virtuais requer cuidado, paciência, fé e sorte. Os alertas a respeito desse mercado tão novo têm se multiplicado em todo o mundo, pois a valorização de 1.753% do bitcoin, somente este ano, é um indicativo de que o preço dessa e de outras divisas pode cair a qualquer momento, fazendo investidores perderem os recursos aplicados. Esta semana, aliás, o presidente do Banco Central brasileiro, Ilan Goldfajn, disse que o atual interesse pelas moedas virtuais é típico de bolhas econômicas.

A título de comparação, é bom saber que, de janeiro até ontem, o principal índice da Bolsa brasileira se valorizou em 22%, contra 8,2% do ouro e 1,6% do dólar. Já o índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, teve valorização de 27% — bem abaixo do bitcoin.

Por outro lado, Ricardo Humberto Rocha, professor de Finanças do Insper, lembra que quem denuncia categoricamente uma bolha de bitcoins tem errado ao longo dos anos, já que eles gritaram cada vez que a moeda ultrapassou cada marco importante (aos US$ 100, aos US$ 5 mil, aos US$ 10 mil etc.).

— O bitcoin é um dinheiro com transações que nenhum governo pode censurar. Para mim, isso é muito mais valioso que uma Apple. Por essa linha de raciocínio, até que está bastante barato — compara Rodrigo Batista, diretor-executivo do Mercado Bitcoin.

Em economês, chamamos de bolha quando determinado produto ou serviço recebe tantos investimentos que seu valor de mercado acaba se descolando da realidade. É uma lei básica: a intensa procura por um produto ou serviço provoca aumento do seu preço. Na bolha, a aposta na valorização do bem é tanta que seu preço incha demais em relação ao que seria justo em condições normais de mercado. O problema é quando essa bolha inchada estoura. Isso acontece quando os investidores mais graúdos percebem que a operação não está dando o retorno desejado. Com isso, redirecionam seus investimentos e, no efeito manada, outros investidores também começam a fugir. Aí o valor das ações cai demais e faz-se o estrago.

A primeira bolha conhecida, por exemplo, aconteceu na Holanda, no século XVII. Descobriu-se, na época, que as tulipas se davam bem nas terras holandesas. Depois que alguns produtores começaram a ter lucros pesados com elas, muita gente começou a plantá-las. Só que não teve mercado para todo mundo, o preço das flores caiu e, assim, a bolha explodiu, provocando o choro de investidores que tinham apostado sua grana nas tulipas. (falando em flores, leia sobre margaridas e margaritólogos)

A internet também está no centro de um capítulo trágico na história dos desastres financeiros. Na década de 1990, a rede mundial deixou de ser um ambiente exclusivo de instituições acadêmicas ou militares, abrindo suas portas para empresas comerciais e para os cidadãos comuns.

Era, portanto, um novo mercado gigante, e as ações de empresas que operavam na internet dispararam, com investidores acreditando que a chamada “nova economia” dominaria o mundo. Entretanto, não foi bem assim que aconteceu. Em 2000, o preço das companhias pontocom começou a despencar, provocando muitos prejuízos financeiros.

Olhando retrospectivamente, todas essas bolhas deram sinais de que iriam acontecer porque seus indicadores, em determinado momento, eram positivos demais. Sinal de que o mundo dos bitcoins promete novas emoções.

Fonte: Globo.com

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